Liberdade de expressão não autoriza a veiculação de fake news
- Luiz Manoel Gomes Junior Sociedade de Advogados
- 30 de out. de 2024
- 2 min de leitura
Publicação Folha de São Paulo. Edição 34.909 - 30 de outubro de 2024
Uma vez mais o Supremo Tribunal Federal irá analisar o alcance da liberdade de expressão e a possibilidade de veiculação de fatos ofensivos quando do julgamento do Tema 837, em uma decisão que será aplicada a todos: a definição dos limites da liberdade de expressão.
Contudo, em artigo publicado nesta Folha ("Liberdade de expressão na pauta do Supremo", 21/10), as advogadas Charlene Nagae, Clarissa Gross e Mônica Galvão, analisando o referido Tema 837, defendem afirmar que maus-tratos é uma questão de "opinião" e que as opiniões são protegidas pela liberdade de expressão.
O caso em questão envolve a PEA (Projeto Esperança Animal), uma entidade de defesa dos direitos dos animais que acusa a promotora da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos (SP) de maus-tratos por suposto uso do sedém (artefato que faria os bois saltarem).
Com o devido respeito, não há como concordar. Temas técnicos não podem ser abordados como se fossem simples opinião, autorizando qualquer afirmativa ou acusação, como exemplo: 1 - que vacinas causam doenças; 2 - que a Terra seria plana; 3 - que o homem não foi à Lua.
São temas técnicos, provados pela ciência, sendo que não se pode afirmar o contrário com a alegação do exercício de um direito ilimitado de ter opiniões —apesar de ser algo comum nos dias atuais.
Se há maus-tratos a animais, é um tema técnico (veterinário) e não pode ser analisado como simples opinião respaldada por um antropomorfismo sem base científica —ou seja, atribuir características, sejam físicas, sentimentos, emoções ou comportamentos humanos, aos animais.
Outro ponto relevante e não abordado no artigo mencionado: a entidade PEA veiculou um vídeo para demonstrar a acusação de maus-tratos, mas este era de outro local —ou seja, uma fake news, como reconhecido pelo Judiciário paulista em duas instâncias.
Está havendo a defesa de uma liberdade ampla e ilimitada em termos de direito de criticar, ainda que não embasada na verdade, o que não pode ser aceito um uma sociedade democrática —independentemente da justificativa.
A crítica, para ser válida, deve se traduzir em uma contraposição de ideias e não ser baseada em aversões de natureza pessoal ou profissional. A liberdade de expressão não autoriza a veiculação de fake news. Aliás, o tema foi objeto de análise específica e técnica pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que não há maus-tratos aos animais na Festa do Peão de Barretos (processo nº 1006538-88.2014.8.26.0066).
São estes os fatos reconhecidos judicialmente: não há maus-tratos aos animais na Festa do Peão de Barretos.
Em arremate, o STF terá a oportunidade, uma vez mais, de decidir o alcance da liberdade de expressão, especialmente quando envolve acusações sem fundamentação ou com mentiras (fake news), além dos limites para o alegado direito de opinião, quando envolver temas técnicos, como, por exemplo, vacinas, educação, se a Terra é plana e mesmo se há maus-tratos aos animais.
Não há liberdade de expressão de forma ilimitada que proteja o seu responsável no caso de veiculação de fake news, notadamente quando envolver temas técnicos —estando agora a palavra final com o Supremo Tribunal Federal.
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